Trabalho degradante no governo


Ministério da Fazenda e Infraero desrespeitam prestadores de serviços. Motoristas ficam no sol sem água e banheiro. Pessoal da limpeza é obrigado a andar quase dois quilômetros

"Sol quente durante todo o dia, difícil acesso a banheiros e à água potável. Essa é a realidade precária à qual o Ministério da Fazenda está submetendo vários motoristas — a maioria, mulheres — a serviço da Pasta, todos contratados de forma terceirizada por meio da Delta Locação de Serviços e Empreendimentos. Desde sexta-feira, os profissionais foram remanejados para uma área externa do edifício-sede do órgão, onde são obrigados a ficar durante todo o expediente. “O que está acontecendo aqui é assédio moral. Estamos passando por constrangimento e não podemos reclamar, pois podemos perder o emprego”, queixou-se uma das condutoras, que preferiu não se identificar.

Antes da mudança, os motoristas ficavam lotados em um estacionamento próximo ao ministério, no qual dispunham de todo o conforto, mas foram transferidos para diminuir o tempo que levam até a portaria principal da Pasta. “Na garagem, o carro precisa ser vistoriado toda vez que entra ou sai, e esse processo leva de cinco a sete minutos”, explicou outra condutora. Para usar o banheiro ou pegar um copo de água, os motoristas precisam, agora, deslocar-se para o interior das instalações do ministério, em um percurso de cerca de quinhentos metros, passando por um portão trancado com cadeado e vigiado por um segurança. Para completar, não podem se ausentar por mais de 10 minutos, pois precisam estar prontos a atender o chamado do ministério.

Procurada pelo Correio, a Delta afirmou que o responsável por oferecer infraestrutura aos motoristas é o órgão público que paga pelo serviço. A obrigação consta em contrato. Inicialmente, a empresa informou não ter conhecimento de condições degradantes. Mais tarde, informou que a remoção dos motoristas para a área externa teve caráter provisório, devido à reforma em um espaço no ministério, que será futuramente destinado aos carros.

Na tarde de ontem, durante os questionamentos, a administração do edifício da Fazenda retirou os motoristas da área externa e permitiu que ficassem dentro do ministério. Os carros, entretanto, permaneceram no pátio externo, onde faixas no chão e placas com a inscrição “veículo oficial”, recém-pintadas, não sugerem um estacionamento provisório. As obras na nova garagem interna ainda estão pela metade, com tijolos aparentes.

A Fazenda confirmou que os veículos foram colocados no pátio externo para “agilizar o atendimento” e garantiu que “todas as condições (de trabalho) aos funcionários serão atendidas”.

Relação promíscua

Para Alessandra Camarano, advogada especializada em direito do trabalho, os casos dos tercerizados da Infraero e do Ministério da Fazenda são graves. “Toda atividade que exige além das possibilidades dos trabalhadores e os expõe a situação de vexame, com cobranças superiores ao que foi previsto em contrato, é degradante”, afirmou a advogada.

As duas situações segundo ela, merecem intervenção do Ministério Público do Trabalho. “Está se exigindo muito dos trabalhadores. No caso da Infraero, eles têm de ir aos galpões (onde estão os produtos de limpeza) duas ou três vezes por dia. Têm, ainda, que carregar o material de trabalho em uma distância de quase dois quilômetros. A empresa tinha que disponibilizar um local perto de onde eles ficam ou então oferecer transporte”, argumentou a advogada.

O mesmo vale para os motoristas contratados pela Fazenda por meio da Delta. “Os motoristas do ministério têm uma jornada longa, precisam ficar sempre à disposição dos que usam os seus serviços. Portanto, necessitam de um local adequado para essa espera, com água e banheiro. Isso é o mínimo”, afirmou Alessandra. Para ela, “a relação entre as empresas terceirizadas e o órgão do governo é muito promíscua”. “Muitas delas entram e saem sem pagar os direitos dos trabalhadores, que são obrigados a buscá-los na Justiça. O poder público nunca quer arcar com esses custos”, disse.

Promessas

Segundo Hélder D’Ávila, dono da Visual, empresa que faz a limpeza no Aeroporto de Brasília para a Infraero, em breve, será encontrada uma solução para o problema do transporte dos empregados. Ele disse que pretende buscar uma autorização para entrar com um veículo nas dependências do aeroporto. “A transferência dos nossos empregados foi feita porque, no novo local, haverá melhores condições. Ainda estamos adequando o local. Nós também já temos um ônibus para fazer o transporte desses trabalhadores. Vamos ver, agora, como fazer um seguro exigido pela Infraero para podermos levá-los aos locais onde eles devem executar os serviços”, disse.

Para D’Ávila, “as intenções da Infraero são as melhores possíveis”. Ele ressaltou que a empresa “não mudou o local de vestuário e o refeitório com o intuito de prejudicar as pessoas”. A seu ver, “a situação ficará melhor para os empregados da Visual, assim que forem feitos todos os ajustes necessários”.
Fonte: Correio Brasiliense