Com a autoestima nas alturas


Resultado do Ideb reflete dedicação pessoal dos educadores, que tiram leite de pedra

Sessenta e seis escolas municipais, das oitenta existentes em Londrina, melhoraram o posicionamento no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em relação a 2007. O resultado mostra que, muito mais que as políticas públicas determinadas de cima para baixo, o trabalho e a dedicação pessoal de supervisores, diretores e professores fazem a diferença. Em síntese, as políticas públicas podem afetar positivamente o ensino, mas a possibilidade de mudança está, de fato, nas mãos de quem dirige as estruturas educacionais nas comunidades onde moram as mais de 30,5 mil crianças matriculadas.

Na média geral, nas escolas municipais de Londrina as séries do ensino fundamental (de 1ª a 4ª séries) obtiveram 5,7 de nota - crescimento de 0,3 ponto em relação ao índice anterior, de 2007. Das 80 escolas, 56 atingiram metas que estavam previstas apenas para 2011.

A Escola Neman Sahyum fica no Conjunto Ruy Virmond Carnascialli, zona norte, e atende 230 crianças – muitas de favelas e áreas pobres mais próximas, como o Jardim Paraíso e pequenas invasões às margens do Córrego Quati e no Ribeirão Lindóia. Desde 2005, quando a nota da escola foi 4,7, uma série de mudanças mexeu com a escola, com os pais e com os próprios professores. Hoje, a nota 6,8 e os 2,1 pontos – maior diferença do primeiro para o último exame entre as escolas de Londrina - que separam o passado do resultado atual orgulham toda a equipe. Como reconhecimento, um dos pais pendurou uma faixa na rotatória de entrada do bairro parabenizando os esforços. A Neman Sahyun ficou em 3º lugar no ranking geral do Ideb em Londrina, “mas para mim é um primeiro lugar”, diz a empolgada diretora Wandréia Souza Gomes Oliveira.

A receita da escola é a mesma de qualquer história de sucesso no setor. Professores motivados – e cobrados pela supervisão – criaram uma rede de tarefas e atividades que envolvem as crianças de todas as formas possíveis. Todos os alunos são estimulados a pegar algo no “baú de leitura”. Leem diariamente na sala, levam livros para casa e no dia seguinte um professor se dedica, sempre individualmente, a acompanhar o texto com o aluno, observando as dificuldades. Quando os pequenos completam as tarefas, ganham estrelinhas que podem se tornar um brinquedo ao fim de um ciclo. E ninguém fica para trás. “Ler é o nosso maior investimento”, diz a supervisora Regiane Araújo, sempre ‘na cola’ da equipe para cobrar ações e atitudes inovadoras.

A sensação de que o ensino melhora a cada ano está nos 23 professores, mesmo com todas as dificuldades. Voluntariamente, o pai de um aluno dá aulas de futsal para 100 crianças – só quem tem nota boa pode entrar. Uma disciplina de “Valores Espirituais” ajuda em uma melhor compreensão do mundo pelos pequenos. Métodos tradicionais – como tomar a tabuada – misturam-se a jogos, pintura, dança e arte para completar o caldeirão da boa educação.

Reforço no contraturno

Na Escola Neman Sahyum há um reforço importante, no contraturno escolar, de Matemática e Português, mas mais alunos só não participam porque não há professores suficientes. Sentada com a professora Juliana Moreno, de Matemática, a pequena Renata, 9 anos, é a cara da mudança. “Eu não sabia o que era milhar. Entendia unidade, dezena e centena. Agora quando volto para a sala, ‘tá beleza porque entendo tudo”, diz, muito sorridente, provocando gargalhadas de quem ouve. Fora do turno normal, joga futsal, faz ginástica rítmica e não esconde que adora a escola. Com o uso da Matemática, Renata melhorou também em Português e na forma como se expressa.

Os pais dos alunos são cobrados a incentivar a leitura para os filhos – a biblioteca da escola é novinha e os computadores começam a chegar. Ali, a alegria da criançada faz esquecer que a escola é tipicamente de periferia. Que o diga Fabrícia, 13 anos, aluna da 4ª série, portadora da síndrome de down. Ao ver a câmera do JL, faz logo uma pose para a foto. Na Escola Neman Sayhun, as dificuldades não são maiores do que as próprias pessoas.

Para secretária, independência é benéfica para escolas

A secretária municipal de Educação Karin Sabec afirma que equipes em que os diretores, supervisores e professores se engajam na rotina da escola obtêm resultados muito melhores do que aquelas onde o desinteresse e as dificuldades predominam. “A Prefeitura de Londrina tem uma proposta pedagógica que deve ser seguida por todas as escolas. No mais, temos obrigações claras quanto à infraestrutura, apoios para os projetos e capacitação para os professores. Se a Secretaria de Educação não atrapalhar essa independência, já ajuda”, afirma.

Segundo a secretária, a transferência de tarefas educacionais que são dos pais afeta o cotidiano escolar de forma determinante. “A criança na escola fica apenas quatro horas com a gente, tempo insuficiente para ajudá-la a vencer dificuldades que começam em casa.”

Karin defende o tratamento educacional aproximado do aluno, com aulas “mais de perto” e apoio permanente do contraturno – o reforço que geralmente revoluciona a vida escolar da criança. Das 80 escolas da rede municipal, apenas 6 não têm essa modalidade de apoio. “É um cuidado individual, um por um. O acompanhamento mais de perto provoca a família a também se aproximar mais da escola”.

Professora da rede há 20 anos e há apenas um mês à frente da Secretaria, Karin diz que os resultados até agora “foram muito felizes”.“Temos muitas dificuldades, com toda certeza. Mas contamos com os professores, supervisores e diretores para dar conta do recado. Tem que ter vontade de mudar porque mesmo com pós-graduação e capacitação se principalmente o professor não tiver compromisso, nada adianta.”

Em Guaravera, meta cumprida 10 anos antes

Na Escola Municipal John Kennedy, em Guaravera (zona sul do Município) os problemas sociais, a falta de estímulo na comunidade e a permanente dificuldade foram suplantados “por um trabalho árduo”, segundo o diretor Geraldo Aparecido Bento. “Vamos na casa do aluno que falta [à aula] saber o que ocorre e fazemos um acompanhamento individual que praticamente eliminou a repetência”, afirma. Geraldo Bento é um dos responsáveis, com a equipe de professores e supervisão, pelo salto que fez a escola sair de uma nota 3,7 para 5,7 em quatro anos. A meta da escola, determinada pelo Ideb, era atingir esse resultado apenas em 2020. “Somos a prova de que é possível sair de uma situação ruim para uma situação muito mais confortável”, avalia.

Ensino integral

A esperança é que, com a implantação do ensino integral – atualmente 136 alunos entre os 305 estão no novo sistema – o desempenho no futuro seja exponencialmente melhor, mesmo sem o número de professores suficientes para atingir todas as crianças com a modalidade. “Educação é comprometimento. Vivemos em uma comunidade carente afetivamente e economicamente. Nossos salários, as questões sociais locais interferem no desempenho da escola, mas não são desculpas para a gente desanimar ” diz. Há oficinas de musica, artesanato, informática, reciclagem – e o que mais a imaginação e o esforço da equipe permitir criar. A Secretaria de Educação apóia com infraestrutura e parcerias, mas o esforço para levar tudo para frente depende da equipe. Em setembro, a escola espera inovar mais uma vez.

“Vamos criar a Escola de Pais para que eles participem mais da escola. Uma educação ruim e cheia de problemas em casa vem parar aqui para nós. A escola acaba absorvendo o que não é função dela, mas se esse é o problema, vamos atrás”, diz o diretor.

Fonte: Jornal de Londrina