Shell e Basf são condenadas a pagar R$ 622 milhões por contaminação


A Justiça do Trabalho de Paulínia condenou as empresas Shell do Brasil e Basf S/A ao pagamento de indenização por danos morais causados à coletividade no valor de R$ 622 milhões, reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), devido a um caso de contaminação de empregados por substâncias tóxicas.

As empresas também foram condenadas a custear o tratamento médico de todos os ex-trabalhadores da unidade de fabricação de agrotóxicos no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, desde a década de 70 até o ano de 2002, quando houve a interdição da planta.

A decisão também se aplica aos filhos de empregados, autônomos e terceirizados que nasceram durante ou após a prestação de serviços, que os colocou em contato com substâncias tóxicas, gerando o quadro de contaminação dos trabalhadores.

Cada ex-trabalhador e cada filho de ex-trabalhador nascido durante ou depois da prestação de serviços deverá receber o equivalente a R$ 64.500, indenização que se refere ao período compreendido entre a data da propositura da ação até 30 de setembro. Este valor será acrescido de juros e correção monetária a partir da sentença e de mais R$ 1.500 por mês caso não seja feito o reembolso mensal das despesas nos meses seguintes.

As empresas devem constituir um comitê gestor do pagamento da assitência médica até 30 de setembro. Em caso de descumprimento da decisão, estarão sujeitas ao pagamento de multa no valor de R$ 100 mil.

Mais de 1.000 ex-trabalhadores das empresas foram beneficiados com a sentença, além de outras centenas de familiares, também suscetíveis à contaminação. De todos os trabalhadores que tentam provar que foram expostos a substâncias contaminantes, ao menos 100 possuem ações individuais em trâmite na Justiça.

A juíza também proferiu sentença referente à ação ajuizada pelo Sindicato dos Químicos contra as empresas, que arbitra indenização de R$ 20 mil por trabalhador, por ano trabalhado, valor que deve ser corrigido e acrescido de juros e correção monetária.

De acordo com a juíza, as empresas deverão arcar, no total, com um custo aproximado de R$ 1,100 bilhão.

Recurso

A Shell e a Basf podem recorrer da decisão no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de Campinas. No entanto, as empresas têm 5 dias, a partir de 19 de agosto, para publicar um edital de convocação dos trabalhadores e descendentes abrangidos pela decisão nas duas maiores emissoras de TV do país, em duas oportunidades.

Apenas a Basf deve divulgar o comunicado em dois jornais de grande circulação em dois domingos, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.  

Após a publicação, os trabalhadores terão prazo de 90 dias, a partir de 30 de agosto, para apresentarem documentos comprovando a condição de ex-empregados das empresas Shell, Cyanamid ou Basf (sucessora da Cyanamid), ou de terceirizados ou autônomos que trabalharam na unidade fabril de Paulínia, independente do trânsito em julgado. Ainda que possam ser cadastrados trabalhadores de todo o país, o atendimento à saúde foi restringido à Região Metropolitana de Campinas e à cidade de São Paulo.

A reportagem de Última Instância tentou entrar em contato com a Shell e não conseguiu retorno até a publicação da notícia, às 20h38.

Em nota divulgada à imprensa, a Basf afirmou que vai recorrer da decisão, "pois não concorda com o absurdo da sentença proferida que se baseou na contaminação ambiental causada e assumida pela Shell".

A empresa ainda reforçou seu compromisso "em atuar de acordo com seu Código de Conduta e Valores e Princípios, posicionando-se com transparência e integridade em todos os aspectos relacionados às informações sobre este assunto".

Contaminação
 
A exposição de seres humanos aos contaminantes presentes no local da fábrica é há anos estudada e está vastamente documentada nos autos da ação civil pública ajuizada pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) em 2007, juntamente com Associação de Combate aos Poluentes, Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas e Instituto Barão de Mauá de Defesa de Vítimas e Consumidores Contra Entes Poluidores e Maus Fornecedores.  

O material foi produzido por instituições como Unicamp, MPT, Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente, Ministério da Saúde, Cut, Cedec, Dieese, Unitrabalho e pela empresa holandesa Haskoning/IWACO – a pedido da própria Shell.

Em razão de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado perante o MPT, o Cerest (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador) de Campinas examinou 69 ex-trabalhadores da Shell/Cyanamid/Basf e enviou um relatório, que foi juntado aos autos do inquérito, sobre os atendimentos realizados, cujo resultado apontou uma média de 6 diagnósticos por indivíduo analisado.

Dos 17 casos diagnosticados, 10, ou seja, 58,8% foram de neoplasia maligna, chamando atenção os cânceres de próstata e os de tireóide. Houve ainda um caso de síndrome mielodisplásica. Quanto às doenças endócrinas, o Cerest verificou que 67,9% dos diagnósticos foram dislipedimias somadas às doenças da glândula tireóide.

Dos 34 casos de doenças do aparelho circulatório, 21 foram casos de doenças hipertensivas. Dentre as doenças do aparelho digestivo, destacaram-se as doenças do fígado, além da ocorrência de casos de doença diverticular do cólon e um caso de metaplasia intestinal em esôfago. Em 30 casos houve predominância de LER (Lesões por Esforços Repetitivos), enquanto que 56 ex-trabalhadores apresentaram problemas sérios no aparelho gênito-urinário, com afecções da próstata, alterações de fertilidade e impotência sexual. Ainda houve exames em que o diagnóstico final não foi comprovado, mas apresentaram alterações.

Fonte: Ultima instância