Acidentes de trabalho: das doenças ao óbito


Chapecó/SC- O uniforme que João utiliza para trabalhar todos os dias o ajuda a esconder sua história. Depois de sofrer um acidente no trabalho e ficar quase quatro anos sem conseguir voltar à empresa, o chapecoense João Francisco Felippi voltou a seu antigo emprego.

Há quase oito meses, ele trabalha na área de carimbos de uma agroindústria da região. O setor mudou, mas a empresa é a mesma em que ele trabalhava quando o acidente aconteceu. João ainda tem muitas mágoas, mas tenta, aos poucos, reconstruir o passado e modificar o futuro.

Para entender o que o acidente causou fisicamente e psicologicamente com João e as pessoas que o cercam, nossa reportagem precisa voltar quase cinco anos no tempo. Era 2 de dezembro de 2007 e fazia três dias que João tinha sido chamado para ajudar em outro setor da agroindústria que trabalhava.

Cinco anos atrás

João já era um funcionário experiente. Quase quatro dos seus 26 anos eram dedicados aquele emprego. Assim como ele, sua esposa também trabalhava na agroindústria. Os dois estavam felizes, afinal, a segunda filha havia acabado de nascer. 

Era final de novembro de 2007. Além da vida estar bem em casa, João também estava bem no trabalho. Experiente, foi chamado para auxiliar em outro setor da agroindústria, de misturador de temperos. No terceiro dia, a vida da família começou a mudar.

Enquanto realizava o serviço, João prendeu a perna direita na máquina que misturava temperos. Como a máquina estava ligada, a perna de João começou a ser amassada pelo equipamento. Ele começou a gritar. "Dois colegas foram os primeiros a me socorrer. Eles correram, desligaram a máquina e chamaram socorro", lembra.

Como a perna de João ficou presa, o socorro precisava ser cuidadoso. "Me disseram que fiquei preso uns 15 minutos, mas eu acho que foram uns 30", acredita o funcionário. "Eu lembro que na hora que minha perna saiu, eu vi que não tinha mais salvação, ela estava muito machucada".

Tentando a superação

Há oito meses, João decidiu voltar ao trabalho. "Foi difícil, além de perder parte da perna, também fui muito humilhado. Teve gente que me acusou de ter colocado minha perna de propósito na máquina, para ganhar dinheiro da empresa", conta ele.

Até agora, João ganhou o auxílio-acidente da Previdência Social, auxílio psicológico da empresa, três cirurgias, próteses - a que ele usa atualmente é provisória -, e também dificuldade para caminhar, cancelamento do futebol semanal, e muita mágoa. É nítido em seu olhar e no jeito e nas palavras que utiliza para contar sua história, a vontade de voltar no tempo. "Por muito tempo eu não conseguia nem ajudar minha esposa a cuidar das minhas filhas. Foi muito difícil."

A dificuldade tem sido superada um dia após o outro, quando ajuda a cuidar das filhas, a fazer os trabalhos de casa e quando vai trabalhar. "As condições são bem mais difíceis com uma prótese, mas eu gosto do meu trabalho. Hoje sou muito mais cuidadoso. Cumpro meus deveres, mas também cobro os meus direitos. Isso é algo que aprendi."

Agroindústrias: meta `acidente zero`

O acidente de trabalho que marcou João para o resto da vida incomoda muita gente. Os representantes dos trabalhadores e das agroindústrias perseguem, perseguem e perseguem a tão sonhada meta `acidentes zero`.

Essa é a prioridade número um dentro da agroindústria catarinense. A agroindústria não está satisfeita com os acidentes e doenças do trabalho. Medidas são necessárias. Temos tentado, por exemplo, através de engenheiros e técnicos de segurança, ergonomistas e professores de educação física. Eles estão trabalhando para perseguir a meta zero", enfatiza o presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarnes), Clever Pirola Avila.

O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados de Chapecó (Sitracarnes) também tem melhorado o auxílio dos funcionários de 12 agroindústrias da região. Há dois anos, um médico do trabalho foi contratado para prestar auxílio. "Nossa briga não é só por salário melhor. Temos estado dentro das agroindústrias fiscalizando e realizando projetos, também com a ajuda dos setores de saúde de universidades, como da UFFS e da Fiocruz, que prestam auxílio aos funcionários e ao próprio sindicato", exemplifica o presidente do Sitracarnes, Jenir Ponciano de Paula.

Dia a dia

Tanto um sindicato quanto o outro perseguem a meta `acidente zero`. O representante das agroindústrias afirma que os cuidados começam pela seleção do funcionário. "Ele precisa ter uma condição física mínima para alguns postos de trabalho e precisa passar pelo período de experiência. Depois, existem metodologias por posto operacional, que determinam o ritmo e as pausas, além dos rodízios de função, de tempos em tempos", exemplifica Avila.

O médico do trabalho do Sitracarnes, Roberto Carlos Ruiz, afirma que os cuidados precisam ser para evitar ou diminuir especialmente as duas maiores causas de doenças ocupacionais. "Os transtornos músculo-esqueléticos, como a tendinite e a bursite; e os transtornos psíquicos, que tem aumentado muito."

Para Ruiz, que também faz parte do grupo que discute a nova Norma Regulamentadora (NR) das agroindústrias no País, a diminuição destes problemas é possível com diversas mudanças, como o sério e real cumprimento das pausas durante a jornada de trabalho, limite de pessoas por espaço, o que pode melhorar inclusive a qualidade do ar, além de outras mudanças mais específicas como o controle da amônia na refrigeração.

Já para evitar um acidente grave ou até fatal, o presidente do Sindicarnes acredita que são necessários mais cuidados. "Muitos acidentes são registrados com funcionários experientes, por exemplo. Existem atos inseguros por parte do funcionário às vezes. Mesmo assim, uma máquina precisa ter um sistema de bloqueio. No caso de uma higienização, por exemplo, ela precisa estar desernegizada, não só desligada", afirma Avila.

Futuro

Os acidentes podem diminuir, mas de acordo com Avila, são necessárias outras mudanças também. "Há dez anos, era usada só a `faca`. Hoje, existem cada vez mais máquinas. Máquinas que precisam evoluir em termos de segurança e não só de operacionalização. Além de produzir, precisamos ter outros cuidados", enfatiza o representante das agroindústrias.

O velho e sempre presente problema da oferta de emprego também é um agravante. Atualmente, existem cerca de 4 mil vagas em aberto nas agroindústrias catarinenses. "As agroindústrias estão partindo cada vez mais para a automação e automatização. Hoje, 100% das empresas em Santa Catarina já estão automatizadas no processo de evisceração e cerca de 50% no corte e desossa. Tecnologia que também muda o produto oferecido no mercado."

Além disso, Avila afirma que a rotatividade também é um aspecto negativo na hora de contabilizar os acidentes. "Eu diria que é uma rotação normal, que hoje está entre 1 e 3% ao mês. Mas, são sempre novos funcionários para treinar."

Acidentes de trabalho: a realidade em números

A equipe do Diário do Iguaçu realizou um levantamento do número de acidentes que aconteceram na região nos últimos 10 anos. Conforme dados da Secretaria de Saúde, por meio do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), 24.194 casos ocorreram em Santa Catarina. Na região Oeste os números ficam em 5.525, já em Chapecó, em uma década foram 1.089 acidentes, contabilizados até outubro de 2012.

Somente o Corpo de Bombeiros da maior cidade do Oeste, em 2012, recebeu 88 chamados envolvendo acidentes de trabalhos. Referente aos óbitos, 112 vidas já foram perdidas em Chapecó nesta década analisada.

Dentre os setores que mais ocasionam acidentes de trabalho, destaque para a construção civil e o ramo moveleiro. Dos números contabilizados pela nossa equipe neste ano, aproximadamente 60% envolvem estas duas áreas. Além destes setores, a agroindústria também registra acidentes e, especialmente, doenças do trabalho.

Os acidentados normalmente são homens que se machucam em quedas de altura. Mas fora isso, conforme informações do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Chapecó (Siticom) e o Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado de Santa Catarina (Sindicarnes), acidentes envolvendo equipamentos e objetos cortantes também são constantes.

Como consequência, amputação de membros, machucado em pernas, braços, cabeça e abdômen, sem esquecer também do óbito, que apesar de dolorido, já tirou sete vidas nos meses de 2012 em Chapecó.

Construção civil: a fiscalização

Buscando diminuir esses números, que apesar de altos mostraram uma queda significativa entre 2011 e 2012, o Siticom realiza um trabalho de fiscalização nas empresas e obras do município. Conforme a Técnica em Segurança do Trabalho, Elizabete Dalla Betta, as visitas aos locais acontecem em dois dias da semana. "Nós temos um checklist, e nele consta todos os itens obrigatórios para a segurança desses trabalhadores. Procuramos em nossas visitas rotineiras identificar a utilização desses equipamentos corretamente", explica Elizabete.

Referente aos próprios equipamentos, normalmente eles variam conforme a profissão, mas tomando como exemplo a construção civil, são necessários capacete, óculos, cinto, luvas, abafador de ruído, entre outros. Enfim, para que o trabalhador execute seu trabalho sem riscos, cabe ao mesmo utilizar mais de nove itens de segurança.

Já em casos de descumprimento das exigências, quem será punido não é o trabalhador, mas sim a empresa responsável. É nesse sentido que a questão de segurança no trabalho também envolve o Sindicato da Indústria da Construção e de Artefatos de Concreto Armado do Oeste (Siduscon). O presidente, Lenoir Antonio Broch, garante que como sindicato, os empresários são orientados a desenvolverem políticas preventivas, incluindo treinamentos e fornecimento de equipamentos, sejam eles de proteção individual e coletiva. "O acidente de trabalho ninguém quer. Nem trabalhador, nem empresa", afirma.

Trabalho informal

Se fica evidente que ambos os lados - empregador e empregado - são orientados para que se busque a segurança acima de qualquer obra, porque os acidentes de trabalho continuam ocorrendo? A resposta, se debatida entre sindicato das empresas e dos trabalhadores é unânime: a informalidade.

A técnica de segurança admite que existe uma grande dificuldade de fiscalização de obras terceirizadas, executadas de maneira informal. "A empresa terceiriza o serviço, aí quem faz o trabalho é o `senhorzinho` lá, que junta alguns amigos para o trabalho. Esse muitas vezes não tem orientação alguma de segurança", exemplifica Elizabete.

Em complemento, Broch acredita que os acidentes ocorrem por descuido do trabalhador e não por falta de segurança. De forma categórica ele afirma que muitas vezes operações são feitas de forma equivocada. O presidente também exemplifica: "imagina uma briga entre dois trabalhadores, um empurra o outro e um cai. Isso é visto como acidente de trabalho, mas não aconteceu devido ao trabalho".

O presidente do Siduscon acredita que um grande problema dos acidentes seja o fato do trabalhador não poder ser multado, diferente das empresas. Ele defende aplicação de multas por parte do empregador ao funcionário que não utilize corretamente os equipamentos. "Quando é na base financeira, todos colaboram", completa.

Elizabete, por sua vez, acredita que, na maioria das obras em que ocorrem acidentes, os trabalhadores conheçam os riscos, mas por pressão, acabam querendo fazer o serviço rápido e deixam medidas de segurança em um segundo plano. "Hoje os trabalhadores tem consciência que é a sua vida que está em risco, mas alguém que recebe por dia precisa terminar o serviço logo", relata.

Livre de acidentes

Se a responsabilidade legal dos acidentes de trabalho é da empresa que executa a obra, cabe aos trabalhadores cobrarem medidas de segurança. Hoje, empresas que não registram casos de acidente possuem uma redução de contribuição paga ao governo. "Isso para estimular a prevenção", explica Broch.

Em contrapartida, caso a mesma seja identificada por técnicos de segurança, executando um trabalho sem os equipamentos básicos, a multa pode ser bem salgada, incluindo até mesmo processos por danos morais.

Veja os acessórios necessários para a segurança do trabalhador

Capacete de segurança
Óculos de segurança
Abafador de ruído
Cinto de segurança
Camisa ou camiseta
Luvas de raspa
Máscara filtradora
Calça comprida
Calçado fechado

Fonte: RedeComSC