Arrecadação de impostos em Londrina teve recuo inédito no ano da reeleição de Richa


Depois de 14 anos seguidos de crescimento, a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na área de abrangência da Delegacia Regional da Receita Estadual de Londrina registrou uma queda inédita em 2014, ano em que o governador Beto Richa (PSDB) foi reeleito para o cargo em primeiro turno. De acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefa), a arrecadação caiu de 1,120 bilhão em 2013 para R$ 1,083 bilhão no ano passado, uma redução de 3,3%. Dentre as 14 delegacias existentes, a queda só aconteceu nas de Londrina e de Cascavel. No Estado, houve aumento de 10,4% (de R$ 19,8 bilhões para R$ 21,8 bilhões de 2013 para 2014).

O período avaliado, de 2000 a 2014, abrange três gestões estaduais: os três últimos anos de Jaime Lerner (2000-2002), os dois mandatos de Roberto Requião (2003-2010) e o primeiro mandato de Beto Richa (2011-2014). Nesses 15 anos, a receita com ICMS no Estado cresceu 403%, passando de R$ 4,3 bilhões em 2000 para R$ 21,8 bilhões em 2014. Em Londrina, a evolução foi de 370%: de R$ 230,7 milhões em 2000 para R$ 1,083 bilhão em 2014.

Campanha

Depois de assinar um acordo de delação premiada com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), no âmbito da Operação Publicano, o auditor fiscal preso Luiz Antônio de Souza afirmou que, em fevereiro do ano passado, o então delegado da Receita em Londrina, Márcio de Albuquerque Lima, o convocou para uma reunião, na qual estabeleceu a meta de arrecadar R$ 2 milhões em propina para a campanha de Richa à reeleição. O dinheiro ilegal teria sido obtido em troca do cancelamento ou da amortização de altas dívidas de ICMS de empresas regionais.

O padrão de arrecadação de propina relatado por Souza para a campanha de reeleição de Richa é o mesmo investigado pelo Gaeco de Londrina na Operação Publicano: auditores fiscais, contadores e empresários se uniam para promover a sonegação fiscal em troca do dinheiro ilegal. Conforme as investigações, empresas com grandes dívidas eram escolhidas para o achaque da fiscalização da Receita Estadual. Em troca de propina, eram lavrados autos de infração com valores bem abaixo do que era devido.

Em julho do ano passado, já durante a campanha eleitoral, Lima foi promovido a inspetor-geral de fiscalização da Receita Estadual do Paraná. Ele, que, após ser arrolado na Operação Publicano, ficou foragido durante quase 50 dias e foi liberado da prisão devido a um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é companheiro de Beto Richa em corridas de automobilismo.

Em um dos depoimentos da delação premiada, Souza disse que Lima foi indicado tanto para a chefia da Delegacia da Receita Estadual de Londrina quanto para o cargo de inspetor-geral de fiscalização por Luiz Abi Antoun, parente distante de Richa.

Todas as informações sobre o teor da delação premiada de Souza foram repassadas à reportagem pelo advogado dele, Eduardo Duarte Ferreira.

Arrecadação de ICMS em Londrina

2001/2000: + 18,6%

2002/2001: + 9,2%

2003/2002: + 11,9%

2004/2003: + 21,6%

2005/2004: + 14,1%

2006/2005: + 8,6%

2007/2006: + 9%

2008/2007: + 13,2%

2009/2008: + 10,9%

2010/2009: + 13,4%

2011/2010: + 11,8%

2012/2011: + 17,7%

2013/2012: + 8,9%

2014/2013: - 3,3%

R$ 60 milhões de propina em 10 anos

Nas duas semanas em que colabora com a Operação Publicano, o auditor fiscal preso Luiz Antônio de Souza informou números que permitem calcular o valor arrecadado com propina, ao longo de dez anos, pela Delegacia da Receita Estadual de Londrina: R$ 60 milhões. 

A delação premiada de Souza, cujo teor foi repassado pelo advogado Eduardo Duarte Ferreira, mostra que o delegado regional da Receita Estadual receberia uma média R$ 100 mil mensais de propina. Como este valor representaria 20% do total arrecadado ilegalmente, estima-se em R$ 500 mil o montante levantado junto a empresários achacados. Assim, seriam R$ 6 milhões em um ano e R$ 60 milhões em uma década. 

Como a quantidade total de propina representaria 10% do valor devido pelas empresas participantes do esquema, calcula-se também que R$ 500 milhões foram sonegados em uma década. 

Souza já gravou mais de 30 horas de depoimentos após o acordo de delação premiada. Ele só receberá o benefício da redução da pena se as denúncias forem comprovadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). 

Sefa se pronuncia

Por nota, a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefa) afirmou que “a diferença de recolhimento [de ICMS nos 15 anos analisados] é decorrente principalmente da instituição em 2014 do regime de substituição tributária (quando o recolhimento do varejo passa a ser de responsabilidade da indústria e do atacado) nas áreas de construção e alimentos” e também “do fato de recolhimentos à vista de importantes contribuintes terem sido parcelados com vencimentos em 2015”. 

A pasta fez ainda algumas observações com relação aos números analisados de arrecadação do imposto. Primeiro, ressalvou a separação das delegacias regionais da Receita Estadual, feita com base na configuração atual das áreas de abrangência – algumas cidades passaram, ao longo do tempo, de uma delegacia para outra. Depois, destacou que foram “expurgados os recolhimentos decorrentes da Lei 17.741/2013”, o que poderia provocar uma “distorção na comparação com os resultados dos outros períodos”. Esta lei regulamenta o pedido de desconto para quem paga antecipadamente o ICMS. 

O delegado da Receita Estadual de Londrina, Marcelo Müller, não foi localizado pela reportagem.

Fonte: Jornal de Londrina